Análise - “Publicações póstumas de Henri Fayol: revisitando sua teoria administrativa”

De modo geral o começo da sistematização da administração moderna, no início do século XX, é creditado a dois pensadores, o americano Frederick Taylor e o francês Henri Fayol, representado respectivamente a Administração Científica e a Administração Clássica. Quem me segue no twitter já tinha recebido a dica sobre o texto do Souza e do Aguiar sobre a obra de Henri Fayol. No post de hoje, complemento a dica fazendo algumas considerações sobre o texto.

Lembrando que o texto Publicações póstumas de Henri Fayol: revisitando sua teoria administrativa é de autoria de Edson Miranda De Souza e Afrânio Carvalho Aguiar e foi publicado na Revista de Administração Mackenzie e deveria ser lido por todos os estudantes de Administração.

Os autores iniciam o texto destacando que as condições econômicas e políticas contribuíram para que as ideias de Taylor se propagassem mais do que as de Fayol. Além disso, Souza e Aguiar destacam que
Ao mesmo tempo que a história da Administração os colocava no mesmo patamar, citando suas contribuições, frequentemente, como equipotentes no plano cronológico e valorativo, o que também pode ser considerado uma subestimação de seu verdadeiro papel histórico, bem como do alcance de suas contribuições para o desenvolvimento da teoria gerencial (SOUZA; AGUIAR, 2011, p. 206)

O que os autores argumentam é que Fayol deveria ser considerado, em virtude da atualidade dos seus escritos, mais importante do que Taylor. Sendo que
uma releitura de Fayol pode apresentá-lo, pois, como um executivo dotado de flexibilidade, com foco na estratégia, trabalhando dentro de um contexto situacional, antecipando tendências que somente muito depois seriam disseminadas por outros doutrinadores (SOUZA; AGUIAR, 2011, p. 206)

Contudo, o que os escritores de manuais fazem é justamente colocar Fayol em um papel mais importante do que ele realmente teve se comparado a Taylor, que teve as suas ideias mais disseminadas do que o pensador francês. Tal fato não ocorreu, por exemplo, com a Follet.

Outro ponto que merece destaque é o trecho a seguir
A revisão dos registros científicos sobre Henri Fayol revela apenas um pequeno número de estudos que abordam sua história de vida ou sua contribuição à administração moderna. Todavia, alguns poucos autores se ocuparam desse importante teórico e desenvolveram pesquisas que permitiram divulgar alguns de seus trabalhos praticamente inéditos, realçando a contemporaneidade de suas ideias (SOUZA; AGUIAR, 2011, p. 207)

Esse “desprezo” encontrado pelos autores, só reforça o que vários pesquisadores tem apontado: que a área de administração não da importância a sua história, seja de uma teoria ou pensador específico (veja JACQUES, 2006 e VIZEU, 2010). Uns dos principais fatores que contribuem para esse desprezo são os manuais de administração que ao aplicar, erroneamente, uma lógica evolutiva ao pensamento administrativo relegam a um segundo plano tudo o que não seja da “moda”.

Duas outras contribuições desse reencontro com Fayol realizado por Souza e Aguiar merecem destaque. A primeira delas se refere a perda dos significados causados pelas traduções e pela falta de acessibilidade do restante da obra, que criam problemas e dificuldades conceituais que, em princípio não deveriam existir. Destaco a seguir o trecho em que os autores comentam sobre as traduções.
A tradução livre acima foi realizada valendo-se do original em francês (PEAUCELLE, 2003a) e dos textos em inglês (WREN; BEDEIAN; BREEZE, 2002) e, somente por esse pequeno trecho, fica evidente o risco de perda de essência decorrente da tradução de um idioma para outro e desse para um terceiro. O texto em inglês traduz service administratif (que poderia ser entendido como uma atividade, algo mais genérico) como administrative department (que remete, claramente, a uma área da organização, algo mais específico, portanto, com evidente perda de substância do significado original). (SOUZA; AGUIAR, 2011, p. 212)

A segunda contribuição consiste no desmascaramento das simplificações em que muitos manuais incorrem nas suas tentativas de colocar "os pensadores e teorias dentro de determinadas caixinhas". De acordo com vários manuais, até a década de 1930 predominava um pensamento mecanicista e fechado, em que não se atentava para o relacionamento da organização para com o seu ambiente. Conforme relatam Souza e Aguiar (2011), Fayol já concebia esse relacionamento organização-ambiente, veja o trecho abaixo.
O texto mostra a preocupação de Fayol em antecipar-se, ao contrário do pensamento corrente de que os teóricos de sua época possuiriam apenas uma atitude reativa e a posteriori (ANSOFF; McDONNELL, 2009). Ao mesmo tempo, Fayol prega, como relata Wren (1995), a necessidade de relacionamento com o mundo exterior, um enfoque diferente da visão de Morgan (2007), que enxerga os "clássicos" tratando a organização como um sistema mecânico, fechado e voltado para dentro. (SOUZA; AGUIAR, 2011, p. 212)

Indicativo semelhante foi realizado por Crubellate (2008) ao tratar do conceito de ambiente organizacional, afirmando que embora o ambiente tenha entrado com vigor no estudo da administração com a teoria dos sistemas já se encontrava indícios de sua existência e importância em pensadores anteriores a referida escola.

O último ponto que destaco para análise está na conclusão do artigo.
Esta avaliação é possível não somente através de uma atenta releitura de AIG, mas também pela análise dos conceitos que seu autor desenvolveu e que só muito recentemente vieram a público, e que demonstram que Fayol lançou as bases conceituais da Escola de Relações Humanas e da Teoria Contingencial. (SOUZA; AGUIAR, 2011, p. 223)
 De acordo com os autores, os textos de Fayol publicados, apenas, recentemente permitem vislumbrar um pensador com ideias bastantes contemporâneas, diferentemente da compreensão até então. Contudo, afirmar que ele lançou a base conceitual para a escola de relações humanas e a teoria contingencial é de um exagero desnecessário, ainda mais sem registros de que pensadores ligados a essas escolas tenham tido contato com esses textos perdidos de Fayol.

Para além das opiniões apresentadas, reforço a minha opinião de que a leitura do texto de Souza e Aguiar (2011) é obrigatória  para uma disciplina de teoria geral da administração.

Então é isso, até a próxima.

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Referências

CRUBELLATE, J. M. Ambiente organizacional. São Paulo: Cengage Learning, 2008

JACQUEZ, R.S. History, historiography and organization studies: The challenge and the potential. Management & Organizational History, v. 1, p. 31-49, 2006.

SOUZA, E. M.; AGUIAR, A. C. Publicações póstumas de Henri Fayol: revisitando sua teoria administrativa. Revista de Administração Mackenzie, vol.12, n.1, 2011,

VIZEU, F. Potencialidades da análise histórica nos Estudos Organizacionais brasileiros. Revista de Administração Empresas,  v. 50,  n. 1,   2010.

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