O
“produtivismo acadêmico” é um tema quente. Praticamente todo
professor/pesquisador tem uma opinião sobre ele. Existem vários textos
sobre o assunto alguns inclusive listados nesse post "Produtivismo Acadêmico". Apesar de existirem diversas críticas ao atual sistema, poucos parecem desvelar a real causa do
produtivismo já que ele é apenas o "sintoma" do real problema. Claro,
que sou apenas um recém mestre com algumas leituras sobre o assunto e não tenho
intenção nenhuma em impor minha opinião para ninguém.
De modo
geral, a questão do produtivismo acadêmico é tida como resultante de uma
mudança sistêmica na qual o "capitalismo" subvertendo os
"princípios" da "ciência", tem levado a competição e ao “imediatismo”
cada vez maior da produção acadêmica. De maneira complementar, alguns apontam que a transposição dos
"conhecimentos" da administração como "produtividade e
eficiência" no âmbito da esfera empresarial para a esfera pública como uma
causa desse "problema sistêmico". Realmente, a administração contribui
para esse "fenômeno", mas não em função da "produtividade e
eficiência" e sim através do "planejamento estratégico".
Para
começar a minha análise gostaria de trazer uma pequena estória contada por
Stigler citada no excelente texto sobre o assunto de Barbieri (2009).
Na tentativa de desenhar mecanismos que aumentem a produtividade nas universidades, Stigler (1987) nos fala de um jovem reitor de uma universidade sul-americana que decretou que os professores poderia desafiar outros com um cargo imediatamente superior aos seus em exames competitivos, cuja banca seria composta de professores americanos. Caso ganhasse, o professor trocaria de posto e salário com o perdedor. Ocorreu então uma corrida à biblioteca e professores mais velhos anteciparam a aposentadoria. Porém, surgiu o fenômeno de entesouramento do conhecimento: os especialistas não discutiam com pessoas que soubessem menos que eles e ensinavam assuntos irrelevantes em seus cursos, com medo de perder o cargo. Diante dessa distorção, o reitor passou a conferir 5 pontos (máximo de 100) para o professor cujo aluno vencesse um desafio. Um certo professor foi vencido por 7 alunos, mas manteve o cargo pelos 35 pontos conquistados... Os cursos de pós-graduação ficaram vazios, pois os candidatos foram estudar nos EUA, terra dos examinadores. De fato, brilhantes professores foram substituídos por alunos que fizeram cursos com examinadores. Além disso, a atividade de pesquisa cessou e todos se concentravam nos estudos para os exames. Diante disso, o reitor conferiu 2 pontos por artigo e 7 por livro produzido. Os professores passaram a preferir preparar um aluno bom por ano (5 pontos) a produzir um livro que demora 3 anos. Outro publicou como artigos os 19 capítulos do seu livro, enquanto outro publicou uma transcrição de conferências.
O trecho acima, embora caricato, ajuda na compreensão do
produtivismo acadêmico. O primeiro ponto que quero destacar é um traço
cultural brasileiro, o Formalismo, e, consequentemente, a importância do Estado
brasileiro na indução mudanças e modernização da sociedade (GUERREIRO RAMOS,
1983, MACHADO-DA-SILVA ET AL 2003). Obviamente, que a condução e o estímulo da
pós-graduação só poderiam ter sido realizados aqui através do Estado. Contudo,
por mais que o "planejamento" possa ser realizado "com a melhor das
intenções", como no caso acima, os atores sociais podem sempre agir
de um modo pelo qual não é o esperado.
O atual sistema de pós-graduação no Brasil é um sistema de
competição regulada, isto é, um sistema no qual um
"player central", no caso a Capes, estabelece unilateralmente padrões
de e induz competição entre os jogadores. Contudo, como demonstra Barbieri
(2009), com base na escola austríaca de economia,
Um esquema de pontuação por produção acadêmica não simula incentivos de mercado e competição, mas sim sua antítese, gerando burocracia e distorções. Isso ocorre na medida em que os critérios seletivos em um mercado genuíno - ponderações dos infinitos critérios seletivos levados em conta por todos os participantes do mercado de idéias - são muito mais complexos do que um critério seletivo planejado por um departamento central de educação, ou mesmo de forma mais descentralizada por um comitê universitário, de forma que os “preços relativos” resultantes (pontuação) são arbitrários e distorcidos. Em outros termos, o modelo de seleção artificial, usado não para explicar, mas sim para simular a competição, requer (a) critérios seletivos simplificados, alimentados por (b) dados objetivos sobre produção. Isso faz com que tenhamos, derivado de (a), “preços” distorcidos, pois não levam em conta a grande parte das informações descentralizadas em posse dos agentes e, derivado de (b), um processo de burocratização da pesquisa com a criação e coleta dos dados “objetivos”. Essa estrutura de incentivos leva à busca de indicadores de produção acadêmicas e não necessariamente à coisa em si. Temos assim um “planejamento central de idéias” e não um “mercado de idéias”
Sendo assim, qualquer mudança nos parâmetros do jogo
só irá mudar o sintoma, uma vez que o problema continuará existindo, a saber: a
centralização da Capes como agência reguladora e certificadora da
pós-graduação, dos periódicos e dos livros. O produtivismo só tem
possibilidade de acabar quando a Capes deixar de possuir esse papel.
ATENÇÃO: Se você pensou: Essa cara é louco! Talvez, não seja recomendável você continuar a leitura desse post.
Você deve estar se perguntando: Mas se a Capes acabar a
pós-graduação não iria virar uma bagunça?
Pode ser que sim, mas pode ser que não. Depende da
reação dos atores sociais que continuamente (re)produzem a pós-graduação no
Brasil. Provavelmente, a quantidade de programas de pós-graduação iria aumentar
já que bastaria um grupo de professores interessados para que isso acontecesse.
Também, poderiam surgir vários programas "picaretas". Entretanto, os
professores-pesquisadores poderiam definir dentro da própria instituição
(universidade) as regras do seu jogo. Se irá existir algum padrão de produção
desejado, quanto tempo para cada artigo etc. Se um grupo de professores
desejasse montar um programa de pós-graduação voltado exclusivamente para
docência ele poderia. Se desejasse um programa multidisciplinar poderiam. Se
desejassem criar um programa de "alta" produtividade poderiam, focado
em grandes inovações poderiam, focado na atuação social do pesquisador
poderiam. Com o passar do tempo alguns padrões de organização tenderiam a se
sobressair e ser copiados por programas "em formação".
Mas quem iria avaliar esses programas distintos se não
temos mais a Capes?
Os programas seriam avaliados pela comunidade
científica, isto é, pelos próprios pesquisadores. Com o passar do tempo os
"bons programas" se destacariam ganhando reputação entre a
comunidade. Veja coloquei "bons" entre aspas justamente pelos
diferentes critérios poderiam ser utilizados na avaliação. Vale ressaltar, que
a ausência de uma regulação central e coercitiva não implica na necessariamente
na inexistência de regras estabelecidas voluntariamente entre programas de
pós-graduação e/ou professores-pesquisadores. Por exemplo, a Anpad poderia
estabelecer (ou não) alguns critérios de avaliação e "estratificação"
dos cursos, assim como a Anpec, a Anped e Associações Científicas.
Mas quem garantiria a qualidade e estrutura desses
programas?
Diferentemente
do que muitos imaginam os bons "recursos humanos" são escassos. A
quem não goste do termo recursos humanos, mas usarei mesmo assim. Bons
professores e pesquisadores e bons alunos são recursos escassos. Para conseguir
atrair esses recursos os programas precisariam ser realmente administrados, se
será por líder centralizador ou democraticamente, isso não importa. O que
importa é que os programas de pós-graduação teriam no longo prazo que se
reinventarem constantemente já que tanto professor-pesquisador quanto o aluno
escolheriam o programa que tenha uma orientação mais parecida com a sua.
Mas
isso não iria gerar competição?
Sim. Os
programas iriam competir pelos melhores professores e alunos. Da mesma maneira,
que, possivelmente, competiriam por recursos financeiros. Mas a ciência não é movida pela
competição e sim pela curiosidade dos pesquisadores, você deve estar
remoendo... Contudo, a
curiosidade de um grupo de pesquisadores pode ser consideravelmente elevada.
Além disso, recursos financeiros também são escassos. Diferentemente do que
muitos acreditam, para que qualquer investimento seja realizado é preciso que
exista poupança. Dessa forma, os recursos de qualquer origem são escassos, por
isso, nada mais justo que o dono desses recursos escolha o critério desejado de
alocação. Sendo assim, as agências de fomento estabeleceriam os
critérios que julgassem adequados para distribuição dos recursos. Que poderia
até serem os critérios de produtividade atual. Contudo, cabe ao
professor-pesquisador decidir se aceita ou não se submeter à avaliação desses
critérios para o acesso a recursos ou se busca fonte alternativas de
financiamento na iniciativa privada. Nos casos das bolas de mestrado e
doutorado funcionaria da mesma forma.
Mas o
Estado investe apenas uma pequena parcela do PIB em Ciência e
Tecnologia deveríamos brigar mais por verbas para ciência assim daria
para todo mundo e ao invés da competição teríamos uma situação de solidariedade!
Sinceramente,
a solidariedade com recursos financeiros pode muito bem acontecer dentro de um
sistema de competição desde que o professor-pesquisador deseje fazer isso. Sou
totalmente contrário contra qualquer tipo de roubo. Além dos atuais recursos
financeiros vindos da esfera pública, um sistema desses poderia se tornar mais
atrativo para investimentos da iniciativa privada, quase inexistente no Brasil.
Uma
última questão que gostaria de trazer é que nesse cenário o
professor-pesquisador tem total liberdade de escolher qual temática pesquisar,
qual o ritmo de trabalho adequado, a maneira mais adequada de publicar os seus
resultados, quais congressos participar etc. A sua liberdade acadêmica estaria
completamente garantida.
Por
fim, quero deixar claro que em nenhum momento eu desejei, e nem poderia,
estabelecer um modelo de como deveria ser a pós-graduação, apenas demonstrei o
que possivelmente poderia acontecer se não possuíssemos a regulação da Capes.
Basicamente, quatro vantagens poderiam ser apontadas.
1)
Avaliação da pesquisa e do pesquisador seria feita exclusivamente pelos seus
pares.
2) Os
programas de pós-graduação teriam liberdade para se organizarem do modo que lhe
convir
3)
Maior pluralismo de ideias
4) Cada
professor-pesquisador trabalharia respeitando o seu ritmo.
Em
tempo, no último número da Cadernos Ebape foi publicado a
opinião de alguns professores-pesquisadores sobre o assunto. Você pode conferir
os artigos clicando nos títulos abaixo.
O Pesquisador
hoje: entre o artesanato intelectual e a produção em série de Maria Ester de
Freitas
Repensando
produtivismo em gestão no (e a partir do) Brasil de Alexandre Faria
Resistir ao
produtivismo: uma ode à perturbação Acadêmica de Rafael
Alcadipani
Vale a leitura dos textos abaixo do Paulo Prochno
O que há de errado na área acadêmica de Administração no Brasil – Parte 1
O que há de errado na área acadêmica de Administração no Brasil - Parte 2
O que há de errado na área acadêmica de Administração no Brasil Final
Vale a leitura dos textos abaixo do Paulo Prochno
O que há de errado na área acadêmica de Administração no Brasil – Parte 1
O que há de errado na área acadêmica de Administração no Brasil - Parte 2
O que há de errado na área acadêmica de Administração no Brasil Final
Então é
isso, até a próxima.
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Referências
MACHADO-DA-SILVA,
C. et al. Institucionalização da mudança na sociedade brasileira: o papel do
formalismo. In: Marcelo Milano Falcão Vieira; Cristina Amélia Carvalho. (Org.).
Organizações, instituições e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2003, p. 179-202.
GUERREIRO
RAMOS, A. Administração e contexto brasileiro: esboço de uma teoria geral
da administração. Rio de
Janeiro: FGV, 1983.
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