Afinal, o que é Paradigma?

Você provavelmente já ouviu alguém dizer: o paradigma do fulano é tal? Esse artigo tem base naquele paradigma. Fulano é de tal paradigma, eu trabalho com outro paradigma. Essas frases costumam causar certo incômodo no início da vida acadêmica, mas que com o passar do tempo, deixam de ser consideradas estranhas e passam a ser normais. Dentro da nossa área, a Administração, uma referência base para esse tema é o livro  Sociological Paradigms and Organizational Analysis de Gibson Burrell e Gareth Morgan que foi um dos primeiros textos a tratar sobre o assunto e ainda hoje é uma leitura quase obrigatória para quem deseja seguir carreira acadêmica na área. Devido a essa importância ele será tema de uma série de post dedicados na apresentação dos principais tópicos apresentados por esses autores.

Nesse primeiro post faço uma apresentação do conceito de paradigma presente no  livro A estrutura das revoluções científicas de Thomas Kuhn, que foi quem cunhou o termo. No segundo post o tema central será a classificação de Burrell e Morgan (1979). Na sequência, serão apresentados os paradigmas: Funcionalista, Interpretacionista,  Humanista Radical e Estruturalismo Radical. Encerrando a série um post com críticas a obra de Burrell e Morgan (1979). Sem mais, vamos à obra.

Até a obra de Kuhn, predominava na filosofia da ciência a visão de que a ciência seguia uma linha linear de progresso, em que novas verdades são adicionadas ao estoque de verdades antigas. Esse progresso poderia ser mais rápido ou devagar dependendo da capacidade dos cientistas, mas o progresso em si já está garantido pelo próprio método científico. Para Kuhn (1998), o desenvolvimento da ciência é marcado por fases, uma normal e outra revolucionária.

De acordo com Kuhn (1998), toda disciplina científica reconhecida foi precedida por uma fase pré-paradigmática. Nela diferentes escolas rivalizam na explicação de dado objeto, possuindo diferentes teorias, procedimentos e também pressuposições metafísicas. O progresso do conhecimento ficava comprometido, até mesmo dentro de uma escola, pois muita energia intelectual é direcionada na argumentação sobre os fundamentos. Quando uma escola consegue explicar por meio de suas teorias os problemas das escolas rivais, passa agregar em torno de si cientistas rivais e, principalmente, as novas gerações de cientistas.

Com a consolidação dessa escola surge um consenso e torna-se possível o estabelecimento de um paradigma. No posfácio da segunda edição do livro,  respondendo a críticos, Kuhn (1998) define paradigma de duas formas: 1) como uma matriz disciplinar, composta por um conjunto de teorias, regras, modelos, padrões, aplicações, instrumentos, métodos, compromissos, crenças e valores de determinada comunidade científica. 2) como exemplos compartilhados, que permitem ao cientista olhar para determinado objeto, e reconhecer semelhanças de outros objetos. Entre os críticos a qual Kuhn buscava responder estava Masterman (1970), que identificou 21 significados para o conceito de paradigma. Ela agrupou esses significados em três classes: a) metaparadigmas: visão de mundo, b) paradigmas sociológicos: valores, crenças e comprometimentos partilhados por uma comunidade científica, c) paradigmas de construção: instrumentos de análise e de aprendizado.

Estando um paradigma estabelecido  começa a fase da ciência normal. Durante o período de ciência normal o paradigma, legitimado pela comunidade científica, delimita quais são os problemas relevantes e que devem ser pesquisados, possibilitando uma investigação profunda e detalhada de uma faixa reduzida de problemas. Na ciência normal três focos de pesquisa  predominam no plano empírico se sobressaem: 1) aumento da veemência e da extensão do conhecimento sobre os fatos ou problemas que o paradigma indicou como sendo merecedores de atenção; 2) estabelecimento de conexões entre a teoria e a natureza; 3) articulação da teoria do paradigma para resolver suas ambiguidades. No teórico existe de um lado a linha que busca aumentar a precisão do paradigma e encontrar novas aplicações, e do outro lado a que procura reformular o paradigma esclarecendo as suas ambiguidades.

De acordo com Kuhn (1998),  durante a fase da ciência normal a pesquisa procura alcançar um resultado já previsto, só que de uma nova maneira. Por isso, a caracterização da ciência normal como a resolução de quebra-cabeças, uma vez que o cientista, assim como no jogo, se depara com um problema cuja a resposta ela já conhece e deve resolvê-lo obedecendo as regras que limitam tanto a natureza do método utilizado como sua resposta final.

No decorrer dessa fase, novos e insuspeitáveis fenômenos são periodicamente descobertos, as denominadas anomalias. Existem dois tipos de anomalias, que são: as derivadas das pesquisas e as descobertas acidentalmente. Algumas anomalias podem ser assimiladas rapidamente pelo paradigma causando pequenas alterações. Contudo, elas podem persistir a várias investidas dos cientistas em assimilá-las ao paradigma vigente, podendo levar a dois desfechos. No primeiro, são aplicadas as mais diferentes e radicais abordagens na tentativa de solucionar o problema e caso ele persista ele é colocado de lado e deixado para que as futuras gerações o resolva. No segundo, a anomalia se torna o elemento desencadeador de uma crise na ciência normal, pois leva a perda de credibilidade do paradigma vigente, possibilitando um relaxamento nas regras que orientam a investigação científica permitindo o surgimento de um novo paradigma.

O aparecimento de um novo paradigma marca o início da revolução científica ou da ciência extraordinária. Durante este período se formam dois grupos, um defendendo o paradigma vigente e outro o novo paradigma, que argumentam entre si tentando converter o oponente a favor do seu paradigma. Contudo, para Kuhn (1998), essa disputa acaba indo além da lógica, pois o que está em jogo não são somente os problemas e métodos científicos, mas também modos de vida comunitária, que são incompatíveis. A lógica, segundo Kuhn (1998), acaba definindo apenas uma pequena parte dessa disputa, porque apenas cientistas relacionados ao fator da crise e novos cientistas que ainda não estão fortemente ligados ao paradigma atual tendem a fazer esse tipo de escolha. Outros argumentos utilizados são de “que a sua teoria é mais apropriada, mais clara, mais simples que anterior” (KUHN, 1998, p.196). A resolução desse período de ciência extraordinária pode ter início quando os novos adeptos passam a desenvolver o novo paradigma, aumentando os argumentos objetivos, até que o paradigma tenha atraído para si a maioria dos praticantes.

A troca de um paradigma pelo outro, torna-se complicada devido a incomensurabilidade entre eles. Essa incomensurabilidade se revela de três formas: Metodológicas – não há uma medida comum, pois os métodos de comparação e avaliação mudaram; Percepção/observação – a observação da evidência não pode prover uma base comum para comparação de teorias, pois a percepção é dependente da teoria; Semântica – não há como traduzir a linguagem de teorias de paradigmas diferentes impedindo a avaliação de teorias concorrentes.

Então é isso, até a próxima.

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Quem é

Thomas Samuel Kuhn (1922 – 1996) se tornou um dos mais influentes filósofos da ciência do século XX, e a sua obra A Estrutura das Revoluções Científicas, publicada pela primeira vez em 1962, é um dos textos acadêmicos mais citados de todos os tempos. Físico formado por Harvard, desenvolveu suas pesquisas em história da ciência no departamento de filosofia da Universidade da Califórnia em Berkeley e filosofia e história da ciência na Universidade de Princeton.

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Referências

KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 1998.

MASTERMAN, Margaret. A Natureza de Um Paradigma. In: A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento. São Paulo: CULTRIX/EDUSP, 1970.

THOMAS KUHN. Stanford Encypclopedia of Philosophy. Disponível em <http://plato.stanford.edu/entries/thomas-kuhn/>. Acesso em 20/09/2010

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